segunda-feira, 4 de maio de 2015

Lírica de Camões - Alma minha gentil

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

 
Este é um soneto do poeta clássico português Luís Vaz de Camões escrito para sua amada, a jovem chinesa Dinamene. Ela morreu afogada quando o barco onde viajava com o poeta naufragou. Diz-se que neste naufrágio, Camões conseguiu pelo menos salvar o manuscrito de Os Lusíadas, segurando-o com uma das mãos e nadando com a outra. Muitos foram os sonetos escritos por ele lamentando a morte de Dinamene.
Na primeira estrofe, dois advérbios reforçam a ideia de distância que há entre o poeta e sua amada. "" refere-se ao céu (onde ela se encontrava, o mundo espiritual) e "" refere-se à terra (onde ele se encontrava, o mundo carnal, terreno, do poeta). Ainda na mesma estrofe, o poeta faz uso do termo repousar como eufemismo para falar da morte de uma maneira mais suave, amenizada.
A antítese mostra a impossibilidade de união de dois mundos tão opostos, como é o caso do mundo espiritual com o mundo carnal, representados no soneto, pelos advérbios lá e cá.
A expressão "lá no assento etéreo", na segunda estrofe, retoma a ideia de céu da primeira estrofe. Por fim, nas três últimas estrofes, o poeta pede para que ela não se esqueça do amor que vira nele e que, se for de seu merecimento, ela peça a Deus que ele possa o quanto antes voltar a vê-la.